20.5.08

UMA REALIDADE AMERICANA

Grateful Dead – American Beauty (1970)

Primeiramente, admito que geralmente considero os primeiros trabalhos da maioria das bandas que ouço, e continuo ouvindo, soarem bem melhores do que os seus sucessores. Eles costumam apresentar a banda em seus momentos mais inspirados, sem amarras sobre pressão de vendas e contratos.

No caso do Grateful Dead, admito o contrário. Nada que a banda tenha feito antes de American Beauty, seu sexto álbum, pode se considerar tão bacana quanto esse lançamento do final de 1970. O Dead, como é carinhosamente conhecido pelos seus fãs, sempre foi mais adepto a viagem sonora dos shows, do que nas viagens lisérgicas de estúdio. Suas apresentações renderam infinitos registros - piratas e oficiais - com extensas jam’s em poucas músicas. Eles tornaram-se a melhor representação musical de toda a manifestação hippie que rolava na Costa Oeste dos Estados Unidos.

American Beauty parece ser a ressaca sobre a "infinita" festa que foram os lisérgicos anos 60. Sem longos solos de guitarras, ou músicas intermináveis, a beleza deste registro está em muitos violões, piano, bandolim e instigantes pensamentos sobre o que estava acontecendo em volta da banda, sobre a vida após o sonho, e a visão da realidade. Isto é posto em cheque na capa do disco: o desenho psicodélico na capa sugere a leitura de American Reality, invés da beleza original.

As inúmeras tragédias pessoais e familiares dos integrantes fomentaram letras que buscavam espiritualidade no lugar dos prazeres corporais. O misto de country, blues, folk e soul são o caldo para letras sobre a natureza humana, a morte, e o passar do tempo. A seqüência das 10 canções é tão perfeita, que a inclusão de faixas bônus na edição remasterizada em CD, acaba não fazendo muita diferença.

E como a realidade brasileira é outra, American Beauty sofreu a falta de interesse do braço nacional da multinacional Warner, detentora desta gravação, pois nunca lançou a bolacha no país. Já sua pequena concorrente, a gravadora ST2, lançou por aqui em DVD, pela série Classic Albuns, ‘Anthem to Beauty’, com o making of de dois clássicos da banda, o próprio American Beauty acrescido do difícil Anthem of the Sun, de 1968.

8.5.08

PRA QUEM NÃO VIU SHINE A LIGHT, E PRA QUEM VIU TAMBÉM...



Esqueça os comentários que você ouviu por aí, os que você leu em tantas outras publicações, ou mesmo aquilo que você espera de um show dos Rolling Stones. O registro no Beacon Theater em 2006 por Martin Scorsese sobre a longevidade dos Rolling Stones não é apenas isso, é um documento distinto dos demais registros de shows da banda.

Então aqui vai alguns detalhes que só a visão de Scorsese teve a peculiaridade de encarar, e outros que a gente perceber só por ser Rock and Roll:

- Scorsese soube filmar tudo aquilo que não foi filmado nos muitos registros já existentes. Suas experiências anteriores, na área e mesmo nos seus filmes, deram a peculiar visão para filmar a banda mais imprevisível do planeta.

- a cumplicidade entre todos da banda é realmente um resultado de anos de convivência, e Mick Jagger e Keith Richards já superaram as divergências do passado. A intimidade dos dois ao dividir um microfone é um desses pontos que são emblemáticos na película.

- Ronnie Wood é o membro mais Rolling Stones entre todos os outros integrantes que já passaram pela banda. E a costura de guitarras entre ele e Richards é providencial, como o velho pirata Sparrow diz nas entrevistas que Scorsese resgatou para o show ter a acunha de documentário: “Somos péssimos sozinhos, mas juntos valemos por dez”.

- Keith Richards: a cusparada de cigarro; a indiferença para quem é Cristina Aguilera; a reverência transposta em uma guitarra dada, em cima do palco, para Buddy Guy; o fato de estar feliz simplesmente de estar aqui; a alegria de tocar guitarra, tanto para ele quanto para o público, e de qualquer outra coisa estampada em sua face; o desapego sobre sua própria fama.

- o fato de Charlie Watts ser um dos melhores bateristas de rock sem precisar fazer nenhum solo, e não pintar os cabelos brancos.

- que o convidado Jack White parecia uma criança numa loja de brinquedos, embasbacado com quem dividia o palco.

- que os extras do futuro DVD devem ser do caraleo. Acima da importância de ver esse registro nos cinemas, ter isso em sua discoteca é inevitável e obrigatório.

- Embora a cada close em um determinado músico e seu instrumento, o som deste salta nas caixas de som dos cinemas, vindo para o primeiro plano e mostrando detalhes que geralmente ficam mixados balanceadamente em registros para consumo em massa, a trilha sonora de Shine A Light - que você pode ouvir no trilhasmp3 - é o melhor registro de um show dos Stones desde Get Yer Ya-Ya's Out (1970), que já é um clássico de gravações ao vivo.

- e quem não gosta de Rolling Stones e de Martin Scorsese e não passar a gostar depois de ver esse registro, eu insisto: vai ouvir easy listing numa sala de dentista qualquer para depois arrancar todos os dentes sem anestesia, afinal, não aparecerá no mundo ser humano mais insensível. E, para quem já gosta, já deve ter percebido tudo isso aqui.