6.12.07

CAINDO NO BURACO


Ryan Adams – Follow The Lights (2007)

O prodígio do Folk Rock está de volta. E mais uma vez, nos derradeiros tempos de 2007, Ryan Adams solta mais um punhado canções - ou poderíamos dizer punhadinho, já que se trata de um EP (sim caro leitor, EP, formato de disco com quantidade menor de músicas. Dizem uns que este não deve passar de sete registros, mas antigamente, na época do vinil, sete era um número que acabava cobrindo os dois lados do LP, e quem sabe talvez por isso, os discos costumavam trazer apenas ótimas canções, e não um punhado de música pífia ou inócua) - sendo que, uma é uma cover de uma extinta banda dos anos 90 - quem disse que eles não seriam lembrados no futuro hein... - o Alice In Chains, com uma versão correta de Down In A Hole, mas não surpreendente, para o que podemos concluir um hit, ou clássico, da banda do já defunto Laney Stanley – que, segundo nosso blog-amigo-informativo-cultural Credencial Tosca, ganhará as páginas de uma biografia num futuro próximo (olha o som dos anos 90 novamente em foco, agora em mais um livro).

Ryan ainda faz uma autofelação ao coverizar três de suas canções: This Is It, do álbum Rock'n'Roll (2003), que perdeu o punch da original; I'm A Stranger, numa versão mais calma e com cara de ensaio para acústico, do irretocável Cold Roses (2005); e uma versão para Dear John, resultado da parceria com Norah Jones, que saiu no country Jacksonville City Nights (2005). Retirando essas versões, podemos constatar que Adams poderia ter terminado o ano sem esse Follow The Lights, pois as quatro novas composições, não adicionam em nada ao belo e prolífico catálogo do ex-Whiskeytown. Elas poderiam caber perfeitamente em vários dos outros álbuns, principalmente, nos dois últimos (29 e Easy Tiger - resenhado anteriormente), pois espaço nesses vinis digitais não faltam.

Mas, como este blog sabe da capacidade de Adams, ficamos aqui esperando o(s) registro(s) de 2008.

24.11.07

UMA SURPRESA IRRESISTÍVEL


WILCO – Sky Blue Sky (2007)

"Eu devo ficar satisfeito, eu não morri". Essa é parte da letra de Sky Blue Sky, música que também acabou batizando o sexto álbum de estúdio do Wilco, lançado neste ano. A frase parece ironizar a capacidade de artistas, como Sir Mick Jagger, de sentirem-se insatisfeitos desde a década de 60, e ainda buscarem mais, mesmo estando com mais de 60. Mas um disco da banda de Jeff Tweddy, o homem cérebro do Wilco, não serve apenas para isso. A ainda sensação independente da banda, os coloca numa espécie de mainstream paralelo e indiferente às paradas americanas que tentam ditar o que é cool.

Embora alguns críticos retalharam o álbum e, consequentemente, Tweddy, Sky Blue Sky caminha sereno entre os melhores trabalhos da banda, e um dos melhores do ano. Agora como um sexteto, com a adição do guitarrista Nels Cline e do multi-instrumentista Pat Sansone, o Wilco se fechou em estúdio e trabalhou sentimentos de maneira racional e sóbria nas letras, colocando a parte passional em belos arranjos que foram estruturados detalhadamente por todo o álbum. Sem experimentalismos desta vez, a sensação é de que as letras foram compostas depois de cada arranjo pronto, pois, as guitarras são o foco principal deste céu monocromático, mas sempre belo, de Sky Blue Sky. Mas essa não é uma sensação óbvia. Apesar de alguns solos tipicamente Neil Young roqueiro, a maioria das canções lembram um McCartney melodioso, ou mesmo o soft rock setentista, mesmo porque as foram gravadas ao vivo no estúdio, recebendo sobreposições posteriormente, dá pra sentir os instrumentos vazando pelos microfones alheios. As guitarras estão expostas sem distorções ofuscantes, experimentalismos com microfonias, ou harmonias monocórdias.

O álbum parece um Neil Young meets Beatles, com ênfase nas composições de McCartney. Embora seja nítida a apreciação do velhinho canadense pelo parceiro morto de McCartney, é no Wilco que a junção Young-McCartney soa frutífera. A primeira porção deste amálgama aparece em You Are My Face, outro exemplo ótimo fica por conta de Hate It Here. O lado apenas alt-country de SummerTeeth (1999), é revisto em What Light e Please Be Pacient With Me. Enquanto Walken e On and On and On soam exatamente como uma composição do Beatle Paul, muito por conta do piano de Mikael Jorgensen. É essa aparentemente bagunça de country, folk e soft rock misturado e adoçado com uma psicodélica de dedicação beatle para composições é o grande atrativo em Sky Blue Sky.

23.10.07

ESMALTE PARA MÃOS CALEJADAS E SABÃO EM PEDRA PARA AS SUAVES


Marisa Monte – Verde, Anil, Amarelo, Cor de Rosa e Carvão (1994)

Marisa Monte alçou sua carreira com passos extremamente calculados, embora depois do registro de 1994, Verde, Anil, Amarelo, Cor de Rosa e Carvão, a legitimação da nobreza artística da cantora tenha subido seu ego, transformando-a numa caricatura dúbia, a de ame ou deixe, tamanho é o culto dos fãs em cima da cantora, e a da 'torcida de nariz' por parte dos detratores de plantão para coisas como a canção Amor, I Love You ou o projeto Tribalistas, creditando a ela, um estigma de exploradora dos pobres sambistas que tem originalidade.

Mas discussões a parte, o fato é que o trabalho de ‘Verde, Anil...’ é um apanhado do que a cantora mais soube fazer: reunir em um trabalho todas as amizades e referências possíveis para um registro que marque carreira. Aliando-se a produção de Arto Lindsay, Marisa se especializou em agregar referências antagônicas, trazendo sonoridades modernas para velhos marcos do cancioneiro popular brasileiro, e imbuindo de originalidade brasileira a produção musical moderna, como no caso da versão de Pale Blue Eyes, do carrancudo Lou Reed. É como um esmalte para as mãos calejadas dos sambistas, e sabão em pedra para artistas da música moderna.

Seja nas composições com parceiros recorrentes – como Nando Reis, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes – ou através da reinterpretação de obras marcantes, ou as desconhecidas para o grande público – como Dança da Solidão (de Paulinho da Viola), A Menina Dança (de Jorge Ben), ou mesmo, Esta Melodia (de Jamelão e Bubu da Portela) – a concepção do álbum resultou em um marco para a carreira da cantora, tanto aqui, como no exterior. Mas, um dos melhores méritos que Marisa Monte poderia receber, está no fato que, a partir deste álbum, houve uma revitalização do interesse do público jovem pelas raízes da música brasileira. Afinal, diva mesmo, nós temos só duas: Elis Regina e Elza Soares.

23.9.07

A VIDA É COMPLICADA



ALLMAN BROTHERS BAND – American University 12/13/70 (2002)

É complicado. Complicado porque a cada audição de American University 12/13/70, eu me pergunto por que uma banda que lançou um dos discos ao vivo mais legais da história – a saber, At Fillmore East – se prontificaria a cometer a heresia de lançar, trinta e dois anos depois, um ao vivo da mesma época? Poderia afirmar logo de cara que é mais um caça-níquel pronto para arrebatar o bolso dos corações mais fanáticos? Não quando um disco poderia vir da Allman Brothers Band com Duanne Allman, um dos guitarristas mais bacanas do Southern Rock, já justificando a aquisição imediata. Principalmente porque Duanne morreu em um acidente de moto, em outubro de 1971.

Mas é complicado. As músicas do Fillmore foram distribuídas em vários lançamentos durante toda a carreira da banda. A versão original ganhou automaticamente o emblemático rótulo de um dos melhores ao vivo de todos os tempos, contendo apenas seis faixas. Em fevereiro de 1972, sairia o misto de estúdio e ao vivo, Eat A Peach, com mais duas faixas dos shows no Fillmore. Em Duanne Allman Anthology, volumes I (1972) e II (1974), Don’t Keep Me Wonderin’ e Midnight Rider apareceriam retiradas do palco mais famoso dos anos 60, mas até então eram inéditas, bem como Drunken Hearted Boy, que apareceria em 1989, na suntuosa caixa Dreams. Quando lançaram Fillmore Concerts, contendo quase que a totalidade das faixas espalhadas pelos lançamentos anteriores, o cheiro do bolso sendo lesado foi inevitável. Mas, para os mais entusiastas, em 2003 chega às lojas At Fillmore East (Deluxe Edition), contendo todas as faixas já apreciadas nos lançamentos anteriores. Então, você se perguntaria qual a finalidade de mais um lançamento? E ela se explicaria numa embalagem para deixar babar qualquer colecionador de CD’s. E depois de tudo isso, você se perguntaria, pra que um disco ao vivo lançado tantos anos depois.

Duanne também é o guitarrista das gravações de At Fillmore East, que, juntamente com Dickey Betts, formavam um enlace perfeito para bases e solos impecáveis. Durante o passar dos anos, a Allman Brothers continuou na ativa, mesmo depois da morte de Duanne, tendo vários guitarristas no seu front, mas nunca com um line-up tão magnânimo quanto aquela época. Isso explicaria bem o lançamento.

Mas ainda é complicado. Com um encarte simples, nenhuma das músicas apresentadas no show da American University são inéditas. A qualidade da gravação é inferior – o trabalho de remixagem e remasterização da Deluxe Edition é exemplar – e nenhuma delas se sobrepõe as versões retiradas dos shows do Fillmore, não acrescentando em nada as inspiradas versões apresentadas no show do Fillmore. A culpa pode até não ser da banda, que autorizou o lançamento, pensando nos fãs mais ardorosos. Ainda mais hoje em dia, em que todo mundo está cansado de saber que banda ganha dinheiro com show e não com vendagem de disco, ainda mais ao vivo. E, um registro, oficial ou não, de um show interessaria, teoricamente, para os que estavam na platéia e queiram guardar como lembrança.

É Complicado. Complicado com “C” maiúsculo porque este álbum chegou as minhas mãos através do meu melhor amigo, que me emprestou o artefato com todo o entusiasmo. COMPLICADO.

26.8.07

SORRIA! VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO!!!


U2 – ZOO TV – Live from Sydney (DVD, 2006)

Início da transmissão...

Tudo o que você sabe está errado. É com esta frase que o show multimídia do U2 ganhou os estádios do mundo globalizado. Sidney foi o alvo registrado em 1993 para as futuras gerações que virão. Não troque de Canal. O discurso da salvação de Bono deixou de lado as bandeiras brancas. Ganhou velhos carros da Alemanha Oriental no papel de spots de luz, enquanto telas de alta definição lhe entorpecem de informação. Rock é entretenimento. Cores quentes, frias. Timbres ora sintéticos, ora agressores. TV digital era apenas um brinquedo nas mãos de engenheiros eletrônicos. Arte é manipulação.

Não Pare. Seguindo os passos da aventura pelo novo, iniciada com Achtung Baby (1991), e retificada com o estranho mundo de Zooropa (1993), o show é constituído com mais de 50% das músicas destes álbuns. A interatividade é garantida por um estúdio de TV com uma antena satélite e mais de 30 toneladas de som, além de imensos telões, projetores, monitores e paredes de vídeo. Assista mais TV. Bono manda imagens diretamente de sua câmera de mão, ou simula um dueto virtual com Lou Reed na cover de Satelite of Love. A libido é posta em cheque quando uma dançarina do ventre serpenteia pelo palco ao som de Mystirous Ways. Serviço não incluso. No meio de toda a tecnologia megalomaníaca do show a banda resolve se aproximar metaforicamente da platéia deixando o palco principal, encarando uma rampa de quase 46 metros, para tocar algumas canções no centro do estádio. Todo artista é um canibal. Obviamente, os clássicos de estádio da banda estão presentes: Bullet the Blue Sky, With Or Without You, New Year’s Day, e o coro é perceptível em Pride e Where the Streets Have No Name. Isto não é um ensaio.

Pare. A banda utilizou das próprias armas dos mass media para, supostamente embasados na teoria crítica, metralhar as manipulações da indústria cultural num show que apresenta um Bono integrado com a persona The Fly, ou mesmo o apocalíptico Mister McPhisto que ironiza o capitalismo e o sistema imperialista dos principais governantes do primeiro mundo em supostas ligações diretas do palco. Religião é um Clube. O lançamento em DVD de Zoo TV - Live From Sydney em 2006 se torna automaticamente um registro clássico para qualquer pessoa envolvida com música – de produtores a apreciadores –, além de ser um registro para os fãs mais calorosos do U2. Acredite em tudo.

...fim da transmissão.

22.7.07

PARA TRAZER PAZ DE ESPÍRITO


BEN HARPER & BLIND BOYS OF ALABAMA
There Will Be A Light (2004)

Unir tradição e revolução musical não é trabalho para qualquer artista. Mas, se tratando de Ben Harper, o assunto pode gerar essa improvável reunião. Para findar isso, ele se aliaou ao grupo de cantores Blind Boys of Alabama, e lançou no mercado em 2004, o premiado álbum There Will Be A Light. Nele, o músico californiano demonstra toda a sua bagagem religiosa e musical – rock, blues, jazz, reggae e principalmente gospel – temperado com o estilo refinado do afinadíssimo grupo vocal.
As gravações foram retiradas de duas sessões de estúdio, mostrando composições que trazem spirituals, cantos dos escravos negros do Mississipi, juntamente com o distinto e passional canto gospel. Ben Harper deixou de lado as distorções e produziu um álbum delicado, mas cheio de vida e swing. O timbre de seu Weissenborn – espécie de violão tocado sentado com um slide e corpo e braço ocos, feitos de uma peça só de madeira – rege as cores em 11th Commandment, um belo instrumental solo, em que Harper deixa aflorar todo o seu sentimento. Além dos Blind Boys, que trazem um brilho forte para canções como Take My Hand, Satisfied Mind, e a faixa título, Harper continua muito bem escudado pelos companheiros da Innocent Criminals. Marc Ford, ex-Black Crowes, é o guitarrista nessas sessões, e Jason Yates, além de contribuir com os teclados na banda, desenhou a arte gráfica do álbum. Com dez canções inéditas, e quase quinze pessoas nas sessões, apenas Picture of Jesus, do álbum anterior, Diamonds on the Inside (2003), ganha uma nova leitura, mais gospel.
There Will Be A Light é um trabalho que carrega toda a emoção – cultural, musical e histórica – do povo negro americano. Suas raízes africanas, sua fé, seus sonhos e redenções estão expostos num álbum com um efeito pacificador na alma. Realmente trazendo um pouco de luz, para a escuridão que é o cenário musical no novo século.

29.6.07

COLETÂNEA DE INÉDITAS


RYAN ADAMS – Easy Tiger (2007)

Como um filho pródigo do country-rock, Adams ataca novamente com mais uma bolachinha, sendo um dos artistas que mais deve sofrer da síndrome da composição prolífica – Jack White compete com ele ponto a ponto – emendando um trabalho atrás de outro, entre uma turnê e outra. Férias não devem constar no vocabulário do caipira roqueiro.
Com faixas curtas, Easy Tiger pode figurar como uma coletânea de inéditas, pois o material deste disco parece conter um pouco de cada álbum que o músico vem produzindo desde o início desta década. Pearls on a String e Tears of Gold parecem terem saído do country Jacksonville City Nights (2005), enquanto Halloween Head e Two Hands poderiam figurar o outro extremo de Adams, como em Rock ‘n’ Roll (2003), cujo título já define o conteúdo. Dos soturnos Love is Hell (2004) e 29 (2006), as faixas Oh My God, Whatever, Ect e I Taught Myself How To Grow Old, que fecha o álbum, seriam as bolas da vez. Do primeiro álbum, o folk Heartbreaker (2000), um forte exemplo seria a bela Off Broadway. Já The Sun Also Sets e Goodnight Rose cairiam bem em Cold Roses (2005), que garantiria a taça de ouro de melhor álbum, se Adams não tivesse feito Gold (2001). A dobradinha Two e Everybody Knows poderiam ser lados B deixados fora do badalado álbum.
Provavelmente, Easy Tiger não vá figurar entre as mais celebres produções de Adams. O lançamento de 2007 se equilibra com o mediano Demolition (2002). Embora para iniciados, é tiro certeiro de agrado. Para quem não conhece, ou não tem nenhum álbum do americano, Easy Tiger é um bom motivo para começar a ouvir sem precisar mastigar álbuns mais complexos da carreira do filho de Jacksonville.

20.5.07

UM NOVO LATIDO


CHACHORRO GRANDE - Todos os Tempos (2007)

Esperado há tempos, prometido com firmeza Rock 'n' Roll, o quarto latido dos gaúchos da Cachorro Grande está no mercado, Todos os Tempos, e está na internet para deleite da cachorrada fã de um bom rock 'n' roll feito com a velha química do ao vivo em estúdio.

As influências sixties não mudaram nada - Beatles, Stones, Who, Neil Young e outras figurinhas carimbadas - mas ganharam a força de outras referências que também se inspiraram nos medalhões do rock clássico para reinar no início da década de 90 - Stone Roses, Primal Scream e Verve podem exemplificar bem.

Para conseguir alimentar a cachorrada de plantão, o site www.todosostempos.com.br disponibiliza para o lunático fã da banda mais rock 'n' roll do Brasil, ouvir antes de se decidir pelo disquinho convencional, ou seja, o baixado pela pista livre da internet...(rs) ou se prefere a neo-tradição de comprar o CD. Seja qual for a ordem do bolso, Todos os Tempos garante que as próximas horas de audição serão muito boas!!!

13.3.07

O FILÓSOFO DO ROCK



ZAPPA - Detritos Cósmicos (livro, 2007)

Com as parcas investidas na literatura musical no país, há poucos lançamentos deste estilo que agregam a biblioteca dos interessandos em música, afins de momento e fãs de carteirinha de determinados artistas. Apostando neste filão, a Editora Conrad está mais uma vez desbravando barreiras comerciais e põe no mercado uma ótima referência para tentarmos entender um pouco do complexo pensamento musical e sociológico do grande pensador-maestro-guitarrista-e-crítico-ferrenho-do-way-of-life-americano, Frank Zappa.
Capitaneado pelo jornalista Fábio Massari, especialista em música e um estudioso do pai da Mothers of Invention, o livro Detritos Cósmicos traz um apanhado de artigos, entrevistas e mais uma seleção da melhor e mais relevante safra do prolífico guitarrista e quase candidato a presidência dos EUA se não fosse sua morte prematura em decorrência de um câncer na prostata em 1993.
Zappa não pode ser rotulado como rock, jazz, ou qualquer outra segmentação. Do seu início com a psicodelia de Freak Out!!!, passando por obras que mesclam o jazz mais quebrado e roqueiro do mundo (vide Waka-Jawaka e Hot Rats), até as viagens de pura tiração de sarro de vários outros álbuns - destaque para a pirada Baby Snakes, do álbum Sheik Yerbouti - os sons saídos da cabeça de Zappa são um mundo a parte na história da música contemporânea.
Além das palavras de Massari, o livro é recheado da vida e a sobrevida do narigudo músico através das viagens físicas e espirituais, visuais e auditivas em depoimentos emocionados, ilustrações e pirações de especialistas - em alta ou baixa escala - que provavelmente tentaram entender a cabeça do gênio, mas acabaram se rendendo a sua completa e complexa obra. Entrevistas obrigatórias fazem do livro um instrumento necessário para tentar desmembrar umas das cabeças mais malucas e criativas da música.
Depois desta maravilhosa introdução ao excêntrico universo de Frank Zappa, apesar do livro conter grande material bibliográfico, resta a Massari começar a escrever a biografia brasileira definitiva deste gênio musical incompreendido.

10.2.07

NA DISCOTECA DO CREDENCIAL TOSCA

O DISCOTECLANDO criou uma maneira virtual de se passear pelas dicotecas dos amigos para conferir o que é que está rolando no som deles. A estréia ficou a cargo da nossa amiga jornalista-baterista-blogueira Ana Alice Gallo que mantém as good vibrations do mundo cultural no http://credencialtosca.blogspot.com. Enquanto isso, nosso editor aproveita para estrear a coluna Discoteclando no www.revistasonora.com. Sem mais milongas... com vocês...
CLAUSTROFOBIA SONORA (Ou nove razões para vivenciar In Utero, do Nirvana)


NIRVANA – In Utero (1993)

Ok, galera, quando o Giul me convidou para ocupar esse ilustre espaço por um post, pensei em resenhar algo bem ao gosto do anfitrião, mas duvidei que pudesse fazê-lo melhor que o dono da casa. Pensei também que a idéia de trazer outras pessoas para o Discoteclando pudesse também fazer soprar outros ventos por esses cantos, daí escolher um álbum tão alhures – mas, na minha humilde opinião, bastante importante – quanto esse. De qualquer forma, espero que vocês gostem da viagem... ou, pelo menos, sobrevivam à ela!

1 - Sentir como um único acorde – no caso, o primeiro do álbum – é capaz de expressar a dor acumulada em anos de problemas no estômago e outras adjacências de um ser humano e dar, de alguma forma, a idéia do que se segue.

2 - Ouvir em forma de canção o livro “O perfume”, de Patrick Süskind, atualmente também em cartaz nos cinemas. A música “Scentles Apprentice” foi baseada nessa obra, que narra a história de um assassino que escalpela donzelas para fazer perfumes.

3 - Relembrar a maior declaração de amor da história dos anos 90, “Heart Shaped Box”, tão romântica quanto à moça que a inspirou, miss Courtney Love.

4 - Sentir Freud revirar-se em sua tumba de felicidade com a necessidade de um marmanjo de voltar a ser um bebê. Em seu livro “Beijar o Céu”, o jornalista Simon Reynolds analisa cada detalhe deste álbum que nos remete ao psiquiatra mais pop do século passado. Mas se você ouvir “Rape Me”, já basta.

5 - Desfrutar de recursos de gravação que levam o ouvinte a uma sala hermeticamente fechada, oca como o próprio útero, de onde Kurt Cobain, Dave Ghrol e Kris Novoselic parecem tocar. A banda conseguiu tirar o máximo de sua estadia em um estúdio para passar a sensação real de que você está do lado de fora, enquanto eles estão lá dentro.

6 - Essa mesma gravação consegue finalmente captar a energia da banda ao vivo – quando eles conseguiam, de fato, tocar alguma coisa – com distorções abusadas e um caminho sonoro que hipnotiza o ouvinte, exatamente como Kurt costumava fazer com seus espectadores.

7 - Presenciar os primórdios do que literalmente evoluiria para “Do the Evolution”, do Pearl Jam. Ouça “Very Ape”e tente não ver semelhanças.

8 - “Nevermind” já havia entrado para a história, mas tanto “Bleach”, que veio antes, como “Incesticide”, que veio depois, captaram apenas os fãs mais fervorosos. A maturidade do trabalho em estúdio de “In Utero” alçou o Nirvana ao posto de grupo a ser digerido em décadas posteriores. Se você conseguir ouvi-lo na íntegra sem enlouquecer de alguma forma ou perturbar o dedo mindinho da sua alma, saiba que é um homem de gelo. Na verdade, se você sobreviver à “Francis Farmer Will Have Her Revenge on Seattle”, já pode se considerar um iniciado.

9 - E por último, “All Apologies”, pra mim, condensa toda a melancolia contida na existência de um ser humano que conseguiu conquistar o mundo despejando seus fantasmas mais horripilantes em acordes (como os que usa nesse álbum). E, também por isso, pede desculpas.

9.1.07

DEUS E O DIABO NA ENCRUZILHADA



ERIC CLAPTON - Me and Mr. Johnson (2004)
Eric Clapton foi considerado no início de sua carreira em 1966 um deus da guitarra e nos muros londrinos se encontrava a pichação ‘Clapton is God’. Enquanto isso, o guitarrista se entregava ao fascínio da música de um negro do Mississippi, que segundo uma famosa lenda, havia vendido sua alma ao diabo numa encruzilhada para se tornar o melhor blueseiro de todos os tempos. Esse homem, que hoje é considerado o rei do blues do delta do Mississipi, chamava-se Robert Johnson.
A admiração pelo blueseiro lendário gerou várias homenagens de vários artistas posteriores, como os Rolling Stones, Led Zeppelin e do próprio Clapton que, ao longo de sua carreira, realizou algumas versões para músicas de Johnson. Em 2004, passado 38 anos desde a primeira gravação do mítico bluseiro feita por Clapton, ele lançou o álbum Me and Mr. Johnson, em que presta uma homenagem em 14 faixas, das 29 que Johnson gravou na sua curta carreira, pois faleceu envenenado aos 27 anos. Em coletiva para divulgar o lançamento Clapton desabafou: "Sua música é como um ponto referencial a me orientar, toda vez que me sinto sem rumo. É a melhor música que eu já ouvi. Eu sempre confiei em sua pureza, e eu sempre confiarei”.
Me and Mr. Johnson foi produzido por Clapton e por Simon Climie. Nele, o guitarrista passou as músicas originalmente em voz e violão para versões com banda, acompanhado de músicos que há vários anos participam de seus projetos. Com o intuito de captar a essência vital das canções, Clapton optou por gravar ao vivo no estúdio. Isso gerou um alto astral nas músicas que é perceptivel ao longo da audição.
De todas as músicas selecionadas, Kind Hearted Woman já recebera registro em disco através da compilação Crossroads 2 – Live in the Seventies. Agora com andamento mais lento, ela revela o mesmo sabor da parceria que Clapton fez com B.B. King – outra grande influência no estilo de Clapton – que gerou o álbum Rinding with the King, de 2000.
When you got a good friend apresenta uma singela referência à amizade por admiração que Clapton cultiva por Johnson ao longo de sua carreira. “Agora, depois destes anos todos, a música dele está, afinal de contas como minha mais velha amiga, sempre na parte de trás de minha cabeça, e no horizonte”, declarou abertamente o guitarrista. The’re is red hot lembra muito o bluegrass de cabaré, graças ao piano boogie de Chris Stainton. Esse clima honk tonk permite que os músicos - Doyle Bramhall II na guitarra-slide; Billy Preston no órgão; Jerry Portnoy na gaita, além do já citado Stainton no piano - se rendam a solos inspirados. Clapton os incita em praticamente todo o disco para suas improvisações, enquanto o baixista Nathan East e o baterista Steve Gadd seguram as levadas numa cozinha precisa e cadenciada. Me and the Devil, If a had possession over judgement day e Love in vain tem o mesmo clima das músicas do elogiado From the Craddle (1994), considerado como uma retomada de Clapton ao seu velho estilo depois de alguns álbuns irregulares, capitaneados pelo irritante hitmaker Phil Collins.
O slideguitar do jovem Doyle Bramhall II acompanha o guitarrista inglês em Travelling riverside blues, como um passeio de barco pelas margens do Mississippi enquanto a batida de pé do original de Stop breaking down ganha peso com levada de todos os instrumentos em uníssono. Já em Little Queen of spades, Clapton prova porque recebeu o apelido de Slowhand, ou seja, o ‘mão lenta’ pela maneira que ataca a guitarra. Hell hound on my trail, fecha Me and Mr. Johnson com a mesma força do inicio da carreira de Clapton, mostrando que Deus abdicou do seu posto, mas não perdeu todo o seu poder.
O disco é uma amostra do poder que o blues exerceu sobre uma geração de artistas no início do Rock and Roll, e é um atestado do poder de fogo que três acordes em doze compassos podem fazer com os sentimentos humanos.